quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A Trégua - Mario Benedetti

Terminei a leitura de A Trégua com o coração em frangalhos e muitas (muitas!) lágrimas na face... O choro copioso, como há muito não sentia, me permitiu extravasar a dor que experimentei com Santomé, o personagem principal da trama. 

Certamente vivi com esta obra um desses momentos inesquecíveis na nossa vida de leitores; um desses espaços ou lugares nos quais entramos através da literatura que são capazes de apagar temporariamente a distância entre a pessoa e o texto. Não há distinção mais entre você e o personagem, entre o passado e o futuro, entre a dor do outro e a sua. Eu era Santomé por um espaço de "tempo" onde o próprio tempo (que separa) não existia mais... Eu e ele estávamos unidos na dor mais absurda e indizível; eu era ele e ele era palpável em mim e não apenas um personagem... Eu, ele, a dor de existir e sermos finitos, a dor de sermos sujeitos ao tempo, à morte... ele-eu e a dor de não podermos nos agarrar em nada mais além de nós mesmos. 

Ah, meu caro Benedetti; como você consegue isso? Como você me faz sair completamente de mim mesma para me encontrar tantas e tantas vezes nas dores e alegrias de outros... E, depois do choro, eu, uma outra que não conheço e eu mesma novamente. Eu mesma, mas uma nova pessoa sempre. Uma pessoa que aprecia e deseja ardentemente essa capacidade poética de viver não apenas a minha própria vida, mas seguir encontrando mundos possíveis a partir das histórias de outros.

No post em homenagem ao Benedetti que fiz para o 365 escritores (aqui) comentei que uma das características que mais me chama atenção nos romances do escritor urguaio é justamente sua habilidade incrível no campo da construção dos personagens. A Trégua confirma essa virtude da escrita de Benedetti e nos leva a conhecer um Martín Santomé inesquecível. Impossível ficar imune a este homem simples, de vida pacata e desinteressante. Sim, é isso mesmo que você leu: Santomé é um homem comum, sem nada de extraórdinário, de heróico ou muito transcendente. A forma como o conhecemos pouco a pouco através do seu diário também não tem nada de fenomenal; em alguns momentos chega a ser até maçante (dá vontade de sacudir o Santomé, rs).

Mas aí vem a trégua... aquele momento de descanso; a paragem temporária de hostilidades. Aquele contexto, tempo, que te permite refletir. E é nessa trégua (com muitas interpretações no livro) que conhecemos Martín Santomé.

Mais não digo, não posso! Vá você mesmo conhecer, se surpreender, se perder e se encontrar em vários momentos do texto. O livro merece que você se perca na leitura, tenha certeza.

Alguns trechos que não comprometem a leitura para deixar aqui um gostinho desse belo livro:

"Quando se está no prórpio foco da vida, é impossível refletir. E eu quero refletir, medir o mais aproximadamente possível esta coisa estranha que está me acontecendo, reconhecer meus próprios sinais , compensar minha falta de juventude com meu excesso de consciência"

"De repente, tive consciência de que aquele momento, aquela fatia de cotidianidade, era o grau máximo de bem-estar, de Ventura."

"Esta manhã tomei um ônibus e desci na agraciada com 19 de Abril. Há anos não andava por aqueles lados. Alimentei a ilusão de estar visitando uma cidade desconhecida. Só agora me dei conta de que me aconstumei a viver em ruas sem árvores. E como podem ser irremediavelmente frias!
Uma das coisas mas agradáveis da vida: ver como o sol se filtra por entre as folhas. "

E, é claro, as pérolas de Benedetti que eu amo:

"O cardápio preparado por Blanca foi o ponto mais alto da noite. Naturalmente, isso também predispõe ao bom humor. Não é de todo absurdo que um frango à portuguesa me deixe mais otimista do que uma tortilla de batatas. Nunca terá ocorrido a nenhum sociólogo efetuar uma cuidadosa análise sobre a influência das digestões na cultura, na economia e na política uruguaias? Como comemos, meu Deus! Na alegria, na dor, no assombro, no desalento. Nossa sensibilidade é primordilmente digestiva. Nossa inata vocação de democratas se apoia num velho postulado: "Todos precisamos comer".

;)

15 comentários:

  1. Talvez eu comece a ler Benedetti justamente por este livro, Denise, pois é o único que tenho aqui! Como sempre seu relato de leitura é emocionante e dá vontade de ir correndo ter uma experiência parecida. Beijinho!!! =)

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    1. Comece por esse sim, Lua!E intercale futuras leituras do benedetti com a poesia dele: imperdíveis!
      Beijos, linda!

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  2. Arrebatador, não? :)
    Devo confessar algo que não comentei no vídeo: li as últimas páginas no banheiro do trabalho haha
    É que fui de ônibus, mas - infelizmente - não deu tempo pra concluir a leitura no trajeto.
    Não tive dúvida: arranjei um cantinho pra terminar de ler.
    Não chorei, mas ficou um nó gigante no peito. Acho que foi o livro (juntamente com "Uma aprendizagem... - olha só o combo que vc arranjou!) que mais me deram vontade de chorar, só que fui educada na pseudo-nobre arte de dissimular esse desejo.
    Fico feliz que tenha se envolvido tanto.
    Seu texto, pra variar, ficou poético e me fez revisitar as sensações que tive com a leitura.
    Sinceramente, me dá uma tristeza perceber que o a gente chama de felicidade não passa do somatório de pequenas tréguas (pelo menos em um dos possíveis sentidos do termo colocado no título). Aguardo ansiosamente a minha próxima.
    Parabéns pelo texto! Beijo

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    1. Thays, vc não sabe o que eu passei: terminei de ler A Trégua em uma quinta e Uma Aprendizagem no sábado seguinte completamente acabada, rs.
      Um combo e tanto mesmo!
      E essa de terminar no banheiro foi demais! ;)
      Mas não dava para parar a leitura: entendo!
      Obrigada e muitas tréguas para você!

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  3. Exatamente o que eu senti De!! É um livro inesquecível com certeza! Não chorei tanto no final, mas quando acontece o momento mais triste (não vou falar pra não dar spoiler, mas vc sabe!). É muito muito triste, porque você via aquela coisa boa nascendo na vida dele e de repente...
    Impossível esquecer esse nome né? Santomé!
    Beijo enorme, amei a resenha!
    Tati

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    1. Impossível esquecer Santomé: concordo!
      (E eu acho que chorei mais no momento posterior ao climax quando Santomé visita a mãe de A.: nossa que cena! ;)
      Beijos, Tati! obrigada!

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  4. Ó,De, nem vou comentar nada alem de que adorei o texto, tá... rs..
    Ai ai ai, ainda procurando comprador de rim... Ando querendo dispor de um dos meus!! rs

    Xêros
    Paty

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    1. Obrigada, Paty!
      Esse ainda dá para achar por um preço bem legal da coleção da Folha. ;)
      Beijos!

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  5. oi Denise
    eu li esta beleza de livro no começo do ano passado, logo depois de ler primavera...não resisti ficar sem o Benedetti hahaha

    o mais bacana é a sensibilidade das personagens. São todos muito palpáveis...parece que vou encontrar com eles logo ali na esquina.

    Adorei o livro, não cheguei a chorar mas me senti na pele de Santomé e por ele senti aquele nó.
    Beijo

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    1. Dee,
      acho incrível a forma como o Benedetti constrói seus personagens: exato, dá para pensar que eles podem ser encontrados e são reais como nós!
      Beijos! E muito mais benedetti's para você! rs

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  6. eu amo tanto esse livro. se me perguntassem que livro eu gostaria de ter escrito, a trégua seria minha escolha.

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  7. Oi Carol,
    ainda não li o Gaiman, acredita?
    Mas vou começar pelo Sandman, yey!
    Abraços e boas leituras!

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  8. Amei esse livro! Benedetti nos mostra a grandeza das nossas pequenas e grandes escolhas de vida... Recomendadíssimo!!
    Olha aqui pessoal que não leu ainda: http://portugues.free-ebooks.net/ebook/A-Tregua

    Abraços

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  9. Boa noite LINDA ! Estou publicando a minha ANTOLOGIA EXCLUSIVA UNIVERSAL, e nela eu incluo Mário Benedetti; fazendo a busca, cheguei aqui e devido a esta LINDA apresentação do A TRÉGUA, vou incluir o seu blog na matéria. Sou Antonio Cabral Filho, que em vossa presença emigra; do pinto que não quer milho, João Cabral que lhe diga. Mas acesse...http://academiacelestialdeletraseartes.blogspot.com.br/

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Olá, seja bem-vindo(a),
responderei seu comentário aqui mesmo.
Abraços,